quarta-feira, outubro 18, 2006

APONTAMENTOS HISTÓRICOS DIVERSOS

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2 de Julho de 1860
- Início do múnus de pregador do Padre JOSÉ TAVARES CAMELO

Figura de quem pouca gente (ou ninguém!) se lembrará, foi um activo orador do distrito de Aveiro durante o período após a Regeneração, se bem que demasiado tradicionalista no campo das ideias. Talvez que a crise por que passou a diocese de Aveiro, que conduziu à sua extinção em 30 de Setembro de 1881 pela bula Gravissimum Christi Ecclesiarum regenti et gubernandi munus, do papa Leão XIII, tivesse tido reflexos na formação cultural do seu pensamento. Nascido em pleno Setembrismo, a sua formação cultural toda ela é feita num período bastante agitado, tanto no campo político como no campo social. Parece, no entanto, que se manteve sempre ligado ao tradicionalismo monárquico. “Em política — diz ele no seu sermão A Reacção —, todo o homem está no direito de pensar como quiser; e ainda até hoje se não decidiu de uma maneira peremptória que governo convém melhor a uma nação. Montesquieu, com todos os seus estudos, com todas as suas indagações, não pôde ainda fazer do seu livro um código, onde se bebam doutrinas certas e infalíveis.

Não se carregue portanto de ultrajes um homem, só porque segue uma política diversa; nem se lhe chame reaccionário, ligando a esta palavra um mau sentido.

O que mais me sensibiliza, porém, o que mais me revolta, é ouvir chamar reaccionário a todos aqueles que professam certas opiniões religiosas mais severas, e que não aprovam certas medidas do governo actual a respeito da Igreja. Chama-se reaccionário, hoje, a todo o padre que não presta ao governo uma obediência cega, e não adora as decisões do Estado”.

O mesmo sentimento vamos encontrar no Sermão das Exéquias de D. Miguel, o maior de todos quantos fez, onde ele faz uma exaltação da monarquia, embora seja um pouco prudente na abordagem do infausto acontecimento: “prometendo-vos circunscrever-me dentro dos limites que me prescrevem os deveres da religião, cumpre declarar-vos que falando de um homem que representou um papel importante na história contemporânea revele afeição ou desafeição partidária ofenda melindres ou susceptibilidades políticas, no meu discurso não apresentarei ideia alguma, que ofenda opiniões ou convicções adversas a uma causa decidida, e que o meu fim tudo é chamar as orações em favor de quem só hoje precisa de perdão e caridade”.

Outros pormenores de pensamento do Padre José Tavares Camelo poderíamos apontar tal como o seu conceito de família, sociedade, Estado, etc., mas não o vamos fazer neste momento.

A sua obra, cento e poucos sermões, merece um estudo bem mais profundo e até uma publicação integral. Estamos a pensar seriamente nisso e já demos os primeiros passos nesse sentido. Por ora, tão somente queremos alertar, de um modo geral, todas as pessoas e, de um modo particular, os responsáveis autárquicos pelo pelouro da cultura para a necessidade de salvaguardar estes e, porventura, outros tantos exemplos iguais ao que temos entre as mãos.

O Padre José Tavares Camelo iniciou o seu munus oratório muito cedo. O primeiro trabalho que temos datado é o Sermão de Nossa Senhora das Preces, pregado na Póvoa do Valado, povoação da freguesia do Requeixo, no dia 2 de Julho de 1860. Tinha então nessa altura apenas 23 anos, dado que ele nasceu no dia 14 de Julho de 1837, como reza o seu registo de nascimento: “José, filho de Manuel Tavares Camelo, e de Ana de Jesus do Lugar de Travassô. Neto paterno de Manuel Tavares Camelo e de Maria de Oliveira desta freguesia, e materno de Manuel Laranjeiro e de Rosa de Jesus do lugar de Frias, freguesia de Albergaria; nasceu no dia 14 de Julho de 1837. Foram padrinhos o Padre Domingos Tavares Camelo, e Francisca... Declaro que foi baptizado em casa pelo Padre João da Silva Morais e no dia 23 do mesmo mês veio à Igreja receber os Santos óleos, e mais cerimónias da Santa Igreja. Para constar fiz este assento que assinei.

Testemunhas: de Manuel Laranjeira uma cruz, e de José Francisco outra cruz. O Pároco Domingos Francisco Marques” (Livro dos Baptismos da Freguesia de Travassô, de 1807 a 1850, fl. 13) (1).

Teve uma actividade intensa, sendo a sua presença frequentemente solicitada para várias festividades do distrito de Aveiro. Num estádio mais avançado do estudo da sua obra, talvez seja possível reconstituir parte do seu itinerário oratório. Para já, sabemos que ele pregou em Póvoa do Valado, Alquerubim (Sermão de St.º António, em 11 de Junho de 1862), Oiã (sermão pregado a 3 de Março de 1862), Pinheiro (Sermão de S. Miguel, redigido no dia 19 de Setembro para ser pregado no dia 5 de Outubro seguinte), Horta (Sermão da Assunção de Nossa Senhora, pregado em 15 de Agosto de 1860) Travassô (Soledade, em 7 de Abril de 1868, S. Brás, em 1 de Fevereiro de 1862, Sermão do Natal, em Dezembro de 1863, Sermão de S. Pedro, em 25 de Junho de 1862...) e Aveiro (Sermão de S. Cecília, pregado em Aveiro no dia 20 de Novembro de 1864 e Sermão de Santa Joana Princesa).

Morreu no Lugar de Baixo (Travassô) aos oito dias do mês de Fevereiro de 1895, pelas sete horas da manhã, apenas com cinquenta e oito anos. Faleceu repentinamente e por isso não recebeu os sacramentos dos enfermos, sendo sepultado no cemitério público sem fazer qualquer testamento.

Hoje poucas pessoas se recordarão dele. Com quem falámos apenas duas o conheceram, a senhora Rosa do Adro e outra, ainda mais idosa, que vive próximo da casa onde morou o Padre José Tavares Camelo. Da sua lembrança só restam duas placas a assinalar uma rua com o seu nome — R. do P.e Camelo — 1837 - 1895. Pouca coisa, para quem tanto trabalhou!

(1) O presente documento encontra-se no Arquivo do Registo Civil de Águeda.

Fonte: Boletim da ADERAV, nº 3

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